Um quinto da população brasileira já está sofrendo os efeitos da seca neste início de ano em todo o país. Levantamento feito pelo O Globo com base em informações de comitês de bacias hidrográficas e governos estaduais mostra que ao menos 45,8 milhões de pessoas vivem em regiões em que os níveis dos reservatórios estão abaixo do normal e a quantidade de chuvas é menor que a média histórica. A falta d’água já tem causado, em estados do Sudeste e do Nordeste do país, racionamento em áreas urbanas, redução na irrigação de propriedades rurais e cancelamento da navegação. Caso se prolongue, a estiagem ameaça a geração de energia nas hidrelétricas e a produção industrial, segundo especialistas.
Seca no horizonte: ponte sobre o Rio Jacareí está com nível muito baixo |
CEARÁ: SECA ATINGE 5,5 MILHÕES
No Ceará, onde a seca afeta 5,5 milhões de pessoas, 176 das 184 cidades do estado decretaram emergência. Os estados do Nordeste convivem com os efeitos da crise desde 2012. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, estima que 19 milhões de pessoas estejam sendo afetadas na região abastecida pelo rio em Pernambuco, Bahia, Sergipe, Alagoas e norte de Minas Gerais. O reservatório de Três Marias terminou a semana com 10,23% da sua capacidade, o que levou o comitê a questionar as regras para geração de energia na barragem. Além disso, a navegação e a pesca em alguns pontos do Velho Chico foram comprometidas.
No Sudeste, a gravidade da situação ficou mais em evidência neste mês, já que o início do verão não trouxe as chuvas necessárias para recuperar os reservatórios. Como resultado, as três maiores regiões metropolitanas do país convivem com a possibilidade iminente de desabastecimento. Embora o governo do Rio negue o risco de racionamento, o volume morto do reservatório Paraibuna, o maior da bacia do Paraíba do Sul, que abastece a Região Metropolitana, está sendo utilizado pela 1ª vez desde sua criação, nos anos 1970. O sistema Paraopeba, que abastece a Grande Belo Horizonte, pode secar em três meses, segundo a Companhia de Saneamento do Estado de Minas Gerais, afetando cerca de 2,5 milhões de pessoas.
Na divisa com o Espírito Santo, o problema é no Rio Doce. Em Governador Valadares a vazão do rio está dez vezes mais baixa do que o esperado para esta época do ano — caiu dos habituais 1.090 metros cúbicos por segundo para 110. Na cidade capixaba de Colatina, o mesmo rio atingiu, na segunda-feira, o nível de nove centímetros, enquanto costuma correr com uma altura de pelo menos dois metros, segundo o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, onde vivem 3,5 milhões de pessoas.
Em São Paulo, o sistema Cantareira, também maior do estado, pode ficar sem água em julho, caso o ritmo das chuvas e a quantidade de água retirada para abastecimento continuem os mesmos, de acordo com o estudo feito pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Somando-se os paulistas abastecidos pelo Cantareira e pelo Alto Tietê, há 16,5 milhões de pessoas atingidas pela crise hídrica no estado.
Para enfrentar a crise, os governos devem mostrar a gravidade da situação com a maior transparência possível para a população, além de investir na redução de consumo e do desperdício e em campanhas educativas, segundo o coordenador do grupo de estudos de recursos hídricos da Academia Brasileira de Ciências José Galizia Tundisi. Professor da Universidade de São Carlos, Tundisi diz que a falta de água pode gerar uma espiral de consequências que afeta até a economia:
— A primeira coisa que a gente pensa quando fala de crise hídrica é o consumo humano. Mas a falta d’água não afeta só abastecimento, mas também a economia, a produção de energia, a produção de alimentos, as indústrias que utilizam a água como insumo. Até a saúde humana é afetada numa situação como essa. A qualidade da água se altera consideravelmente em níveis mais baixos — afirma o professor.
O meteorologista Luiz Carlos Baldicero Molion, pesquisador da Universidade Federal de Alagoas, afirma que deve levar mais seis anos para que o Sudeste volte a ter um regime de chuvas acima das médias históricas. Ele chegou à conclusão após analisar a série de chuvas em São Paulo desde 1888. Segundo ele, o estado teve ao menos outros três ciclos de secas de oito a nove anos ao longo do último século:
— Fazendo análise estatística, notamos que o Sudeste teve períodos de seca severa no início da década de 1930, depois de 1959 e em 1976. Como percebemos que a chuva tem ficado abaixo da média desde 2012, concluímos que é mais um período com poucas chuvas de longo prazo, que deve durar até 2020 ou 2021.