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Sopa detox, suco detox, água detox. Dieta da sopa, da lua, do pepino, da batata
doce, pra secar a barriga. Em um passeio rápido pelas notícias e listas
engraçadas em sites de entretenimento, não é nada difícil pinçar alguns
exemplos de uma obsessão pela magreza. As palavras-chave, ali em cima, não
enganam - a gente acha exemplos demais, até. Mas por que queremos tanto emagrecer?
Por que achamos que magreza = beleza?
A preocupação com o ponteiro da balança está longe de ser
apenas uma preocupação com a saúde. Essa neura com o peso não vem dos tempos
mais remotos. Basta espiar as obras de arte dos séculos passados e ver que a
figura feminina idealizada ali concentrava mais gordura do que as top models de
hoje. O quadril largo, as coxas generosas, o rosto mais cheiinho eram traços pra
lá de valorizados nas musas - o que você pode conferir na obra abaixo, As Três
Graças, de Peter Paul Rubens, feita em 1635. Ainda que o padrão em si tenha
mudado pra valer, a lógica por trás dele permanece. "Os padrões que
aparecem ao longo da História são, como regra, acessíveis a poucos",
aponta a psicóloga Joana de Vilhena Novaes, Coordenadora do Núcleo de Doenças
da Beleza e representante da Fundação Dove para a Autoestima no Brasil. Quando
fazer as três refeições básicas diariamente era um luxo e morrer de fome era um
destino comum para as pessoas, a gordura alcançava status de privilégio. Agora,
já que temos mais comida à disposição, mais jeitos de conservá-la e nossos
armários ficam carregados de biscoitos, salgadinhos e similares, comer é fácil.
Portanto, não é de estranhar que as modelos extremamente magras sejam colocadas
em um pedestal. É mais difícil ser muito magra com tantas calorias à
disposição. O corpo magro e jovem também exige cada vez mais procedimentos
estéticos e cirurgias para atingir a dita "perfeição" - ou, pra ser
mais direto, exige grana, que vira mais um obstáculo. Imagina só o dinheiro
necessário para bancar o 1,5 milhão de cirurgias plásticas realizadas
anualmente só no Brasil, de acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia
Plástica e Estética.
Mas não é essa a única explicação que surgiu para a mudança
nos padrões. Uma delas veio do livro O Mito da Beleza, da jornalista americana
Naomi Wolf, publicado na década de 90. A sacada dessa publicação foi relacionar
o novo modelo com a emancipação das mulheres, quando tantas delas assumiram
postos de trabalho e quando seus direitos passaram a ser assegurados. Em poucas
palavras, Naomi defende que há mecanismos que dominam a mulher na sociedade -
e, depois de se libertar de um deles, surgiu outro, o tal mito da beleza. E daí
viriam os sacrifícios todos, as dietas malucas, as técnicas cirúrgicas
incrementadas a cada mês - justamente porque a sociedade passou a pregar que os
malabarismos eram necessários para que as mulheres fossem aceitas. E os dados
trazidos pela autora assustam, já que demonstram como, pouco a pouco, o
problema avançou e tomou forma. As modelos passaram a ser 23% mais magras do
que uma mulher padrão (e não mais 8%, como costumava ser, com as moças mais
cheinhas). De 1966 e 1969, a porcentagem de alunas que se consideravam gordas
saltou de 50 para 80%. Com a onda de dieta ganhando força, Naomi Wolf comparou
as calorias que "deveriam" ser ingeridas para alcançar o corpo
perfeito - 800, 1000 calorias diariamente. Para ter uma ideia, no gueto de
Lodz, em 1941, em pleno nazismo, os judeus se alimentavam de rações que tinham
de 500 a 1200 calorias por dia. Não é à toa que chegamos a extremos de magreza
por aí.
Hoje, só no Brasil, um terço das meninas que estão no 9º ano
do Ensino Fundamental já se preocupam com o peso, de acordo com uma pesquisa de
2013 do IBGE. A nível global, a probabilidade de que uma moça com idade entre
15 e 24 anos morra em decorrência de anorexia é 12 vezes maior que por qualquer
outra causa. O Journal of the American Academy of Child and Adolescent
Psychiatry constatou que cerca de 60% das alunas no ensino médio já fazem
dieta. A preocupação com a balança chega a atingir meninas com 5 anos de idade.
E não é à toa que as vítimas mais comuns sejam as mulheres.
A nutricionista Paola Altheia, responsável pelo blog Não Sou Exposição, vai
além para explicar a tendência. "Enquanto a moeda de valor masculina na
sociedade é dinheiro, poder e influência, a das mulheres é a aparência",
crava. Para a ala feminina, essa pressão toda desemboca em não apenas um modelo
estético, mas um modelo de vida. Para ser linda e desejada, para ter um marido
perfeito, o emprego dos sonhos, você só tem que ser... magra. Simples né? Mas
nem tanto: um dos casos clássicos foi o da dieta da princesa, que fez muito
sucesso há algum tempo atrás - no caso, era a princesa Kate Middleton, esposa
do Príncipe William, do Reino Unido. Ela, como toda princesa deve ser, é bem
magra. O corpo vem de um sacrifício que Kate teve de fazer: o regime incluía
muitas proteínas e quase nada de carboidrato. Já dá para perceber que não é lá
muito saudável. O que repercutia no imaginário feminino era muito mais a
idealização da princesa: a dieta era só mais um modo de alcançá-la. E essa
estrutura se repete por aí. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade
Federal de São Paulo (a Unifesp), em 2002, analisou o valor nutricional de 112
dietas que apareciam nas revistas brasileiras à época. Resultado: só uma delas
atendia a requisitos mínimos para garantir a nutrição da pessoa, e a maioria
esmagadora era cilada, prejudicando a saúde da pessoa que buscava a boa forma.
Com a ascensão da internet, a coisa piorou. Tumblr,
Facebook, Instagram, Twitter e as outras tantas redes sociais colaboram para a
obsessão por corpos cada vez mais magros. Esses sites espalham com uma
velocidade assustadora ideias sobre a imagem corporal que atingem pessoas do
mundo todo, de todas as idades, até mesmo aquela priminha de 12 anos que dá os
primeiros passos na web. Exemplos disso são os desafios, que rodam por aí, a
fim de "comprovar" que determinada pessoa é magra. Se você consegue
cumpri-los, parabéns, você é uma vencedora. Se não, feche a boca. O mais
recente é o "collarbone challenge", que começou na China. Mulheres
têm que enfileirar o maior número possível de moedas na clavícula, as famosas
"saboneteiras". Quanto mais moedas, mais enxuta a moça é. Já o
"bellybutton challenge" quer que as mulheres encostem no umbigo
passando o braço por trás do corpo. Mas atingir tal proeza não é só uma questão
de ser ou não magra: fatores como flexibilidade e estrutura óssea também entram
em jogo. Encostar no umbigo não é indicativo de nada: muito menos de que alguém
está magro ou gordo. A gravidez, que antes era um território seguro,
aparentemente entrou no jogo. A nova moda é a "mãe fitness", com
barriga pequena e sarada (mesmo com o volume extra, já que abriga um bebê). Se
uma mulher "comum" já se sentia fracassada por não conseguir voltar
ao seu peso original - ao contrário das famosas, como vemos por aí -, imagine
agora que a obrigação de ser sarada também afeta o período gestacional. São
mais e mais imagens (muitas vezes retocadas) que ditam um modelo só. "A
imagem da modelo alta, magra, longilínea, caucasiana, sem rugas, celulites,
manchas ou mesmo poros é incessantemente repetida, como uma norma. Esta é a
origem do sentimento de inadequação", reforça Altheia.
A constatação também aparece no livro de Naomi Wolf, que
citamos lá em cima. "Uma fixação cultural na magreza feminina não é uma
obsessão pela beleza feminina, mas uma obsessão pela obediência feminina".
Qualquer mulher que desobedeça um padrão, voluntariamente ou involuntariamente,
é taxada de feia, estranha ou desleixada. Afinal, o corpo da mulher está aí
para ser observado.
Fonte: Super Interesante