A decisão de manter o concurso do Tribunal de Justiça do Piauí, mesmo após investigação policial, e a eliminação de 50 candidatos suspeitos de terem sido beneficiados pelo esquema fraudulento vêm gerando polêmica nas redes sociais. Uma candidata postou esta semana a sua indignação no Facebook ao buscar pelo resultado da prova e descobrir ter sido eliminada por ter supostamente tomado parte na fraude.
"Nunca fui sequer intimada para prestar algum esclarecimento e fui eliminada, arbitrariamente, sem ter qualquer envolvimento e provas contra minha pessoa". Foi assim que a jovem advogada Hellen Galeno se expressou a sua indignação por ter sido eliminada do concurso do Tribunal de Justiça (TJ) do Piauí.
No sistema, a justificativa apresentada pela banca organizadora para a eliminação consta o item 15.26 do Edital, que aponta que "se, a qualquer tempo, for constatado, por meio eletrônico, estatístico, visual, grafológico ou por investigação policial ter o candidato se utilizado de processo ilícito, suas provas serão anuladas e ele será automaticamente eliminado do concurso".
A candidata declarou a equipe de reportagem que houve foi uma fatídica coincidência, na qual o seu gabarito na prova de raciocínio lógico teve a mesma quantidade de acertos e erros de outro candidato. Hellen Galeno lamentou a situação e que já solicitou recurso dentro do prazo estipulado pela Fundação Getúlio Varga (FGV), banca examinadora, e aguarda o resultado da avaliação do pedido.
"Em um universo de mais de 40 mil candidatos é mais que comum duas pessoas terem as mesmas respostas. Fui eliminada por coincidência no gabarito. Estou sofrendo muito, principalmente minha família. Meus pais estão muito indignados até porque eles passaram a vida dando sempre o melhor para os seus filhos, educando-os da melhor forma possível e de repente somos acusados de um crime. Nunca fui alvo de investigação, não tenho antecedentes criminais e sigo condutas corretas", disse.
Segundo o Tribunal de Justiça do Piauí, a decisão de eliminar os candidatos foi tomada após análise minuciosa das provas produzidas pela Polícia Civil e apresentadas em relatório entregue ao TJ na semana passada. O inquérito foi concluído no dia 23 de março, o qual indiciou 21 pessoas. Delas, 12 estão presas.
A advogada contesta a investigação e conta ainda que teve acesso ao relatório do inquérito, através de um grupo de 14 pessoas que estão na mesma situação, ou seja, que foram eliminados por suposta fraude.
Segundo Hellen Galeno, a justificativa dada no relatório policial diz que, em apenas uma das disciplinas da prova, o gabarito respondido por ela foi igual ao de um candidato, o que supõe a 'razoável probabilidade de fraude' que a eliminou dos dois cargos ao qual concorria, escrivão e oficial de justiça.
"Irresponsabilidade muito grande terem divulgado esse resultado sem terem indícios suficientes de autoria e prova da materialidade delitiva dos candidatos que não fraudaram o concurso e estão eliminados, como eu. É como se já tivesse sido julgada sem ao menos ter ido depor", comentou a candidata, revelando ter comparecido de forma espontânea na segunda-feira (4) no Grupo de Repressão ao Crime Organizado (Greco) para prestar depoimento.
Outro candidato que também está na mesma situação é Rafael Pereira, que mora na cidade de Piripiri, e se candidatou à vaga de Oficial de Justiça no concurso. Ele informou à reportagem que solicitou uma Certidão Negativa (nada consta) e sequer tem o seu nome envolvido em algum tipo de crime ou investigação policial.
"Você estuda, renuncia lazer, gasta dinheiro, enfim, abdica de várias coisas e quando chega o resultado do concurso, você é eliminado por algo que não cometeu. Isso prova a falta de lisura desse certame. Nunca fui notificado previamente a responder sobre algo que acarretasse a minha eliminação, o que fere os princípios constitucionais", disse.
Respostas
O delegado geral da Polícia Civil, Riedel Batista, informou à reportagem que não vai se manifestar sobre o caso porque as investigações já foram concluídas. Contou ainda que os candidatos que se sentirem lesados com o concurso ou mesmo com o resultado das investigações, devem procurar os meios cabíveis na Justiça.
Segundo a candidata, em depoimento à polícia, Hellen recebeu um documento do Greco informando que as investigações ainda continuavam em andamento. "Eu não entendo porque o delegado fala que as investigações já foram concluídas se eu mesma recebi uma certidão da Polícia há dois dias dizendo que as investigações ainda estão em curso", disse.
Sobre o fato de os candidatos terem sido eliminados sem serem notificados e intimados a depor durante o processo de investigação, o auxiliar da corregedoria do TJ, juiz José Airton, disse que o Tribunal de Justiça não tem poder de interferir sobre os procedimentos adotados pela Polícia, nem de julgar os casos de candidatos eliminados e apontados durante as investigações.
Isso porque, segundo ele, a eliminação dos inscritos no concurso é de única e exclusiva competência da Fundação Getúlio Vargas.
"Qualquer eventual inconformismo ou erro cometido, que lesaram as pessoas, os candidatos devem utilizar os prazos para recurso junto à organizadora. Esse recurso será apreciado por uma comissão da organizadora do certame, que é a FGV", disse afirmando que a Fundação vai analisar os casos individuais e corrigirá o erro se assim julgar como.
Até o momento da publicação desta reportagem, a FGV não tinha retornado o contato.
Dois policiais foram presos suspeitos de participação no esquema. Um deles repassava mensagens com informações sobre o inquérito para pessoas alvo da investigação.
Fonte: G1