Fonte: Folha
Na fábula, com a intenção de atravessar o rio, o escorpião convence o sapo a carregá-lo nas costas. No meio da viagem, o anfíbio é picado e ambos morrem. “Desculpe, é da minha natureza”, justifica o escorpião em seu último suspiro.
Mas um novo estudo publicado por pesquisadores do Instituto Butantan e da Universidade Estadual de Utah, nos EUA, mostra uma realidade bem diferente.
Longe da fantasia, o sapo, que não é tão chegado em água fora do período reprodutivo, teria devorado o escorpião antes que ele terminasse a primeira tentativa de comunicação, e, mesmo que topasse servir de montaria aquática, o anfíbio não teria morrido ao ser picado.
Pela primeira vez, cientistas mostraram que o sapo-cururu (Rhinella icterica) é um predador voraz do famigerado escorpião-amarelo (Tityus serrulatus), que se tornou um problema de saúde pública crescente no Brasil, com mais de 140 mil casos anuais de envenenamento.
Em uma pesquisa publicada na revista científica Toxicon, o herpetologista Carlos Jared, do Instituto Butantan, e colaboradores mostram como a refeição acontece em uma questão de segundos e sem qualquer cerimônia.
Os cientistas também injetaram nos anfíbios uma dose de veneno equivalente à picada de dez escorpiões, o suficiente para matar roedores e deixar um ser humano em péssimo estado. Parece que eles nem sentem cócegas.
Para ter certeza de que estava tudo bem com os anfíbios depois da injeção, os cientistas ofereceram baratas (insetos que os sapos adoram devorar). Arremesso de língua, deglutição, fim. Tudo normal.
Jared conta uma história de quando viu pela primeira vez esse comportamento dos bichos, há mais de duas décadas, numa fazenda de plantação de algodão, no Rio Grande do Norte. “Os peões ficavam depois do trabalho na porteira da fazenda, com a luz ligada. A luz atraía insetos e os sapos comiam e se refestelavam. Os bichos eram gordos, muito bem alimentados.”
“O grande problema é que o escorpionismo sempre foi avaliado do ponto de vista médico. A grande ideia desse novo trabalho é alertar para os pontos de vista biológico e ecológico.”
Muitos dizem que as galinhas, que também se alimentam de escorpiões, seriam boas predadoras, mas os encontros seriam eventuais, já que a ave é diurna e os escorpiões têm hábitos noturnos.
“Outro possível predador é um gambá, o saruê. Mas ele é escansório [ou seja, vive em árvores] e tem um andar desajeitado no chão. Não sei se seria tão eficiente”, especula Jared.
Exemplar do escorpião-amarelo (Tityus serrulatus) apresentado por técnico do Instituto Butantan. Manuseio do animal deve ser feito sempre com pinça para evitar acidentes
Exemplar do escorpião-amarelo (Tityus serrulatus) apresentado por técnico do Instituto Butantan. Manuseio do animal deve ser feito sempre com pinça para evitar acidentes. Folhapress/Jardiel Carvalho
Entre os locais preferidos de refúgios de escorpiões está o entulho, como aquele formado por material de construção e pedaços de madeira, onde os bichos, de hábitos noturnos repousam durante o dia
Entre os locais preferidos de refúgios de escorpiões está o entulho, como aquele formado por material de construção e pedaços de madeira, onde os bichos, de hábitos noturnos repousam durante o dia.
A moral da história é que, apesar de nem sempre ser querido, o sapo pode ter um papel ecológico importante. “A chave é educação ambiental”, diz o herpetologista. “É um traço cultural chamar o bicho de feio, nojento. Mas isso não ajuda em nada.